terça-feira, 28 de agosto de 2012
A CASA
O homem só escuta a voz calma
de olhos semicerrados, como se uma respiração
lhe aflorasse o rosto, uma respiração amiga
que ressurge, incrível, do tempo passado.
O homem só escuta a voz antiga
que em tempos idos os seus pais ouviram, clara
e recolhida, uma voz que é como o verde
dos pauis e das colinas, que escurece com a tarde.
O homem só conhece uma voz de sombra,
cariciosa, que brota em tom calmo
de um manancial secreto: absorto, bebe-a
de olhos fechados, não parece estar junto a ela.
É a voz que um dia fez deter o pai
do seu pai e cada um dos antepassados.
Uma voz de mulher que soa secreta
junto da soleira da casa, ao cair do escuro.
Cesare Pavese
trad. Rui Caeiro
O Vício Absurdo, ed. & etc
sábado, 25 de agosto de 2012
Pedra maneirinha
arroteia-se o chão bravio
o tojo raízes
fetos urze outros arbustos
de teimosia à secura
se faz monte de palavras
mortas que o fogo ilumina.
cinza uma ou outra ponta
de raiz por arder
o ancinho junta esses focos de resistência
que a luta homem fogo terra
é muito antiga
de novo o fogo
serpe de fumo a desentender-se
no dia claro.
uma voz ao fundo
o homem suspende o gesto
livra os bois do jugo
transitória acalmia
na clareira cercada pelo bosque
e seu doce rumor de seiva.
a ocupação da paisagem
pela rebeldia domesticada do gado
à força de braços
alvião enxada ferro de monte
se amanha a pedra
amanhã rasga-se alicerce
as pedras acham abrigo
harmonioso afagar de cantaria
se abraçam entrelaçam
sobem devagar como árvore
de fruto: eis os socalcos
a embargar aluviões do devir
da cinza das palavras mortas
novo vocábulo desponta
a paisagem se r e
p a r t e
e não é de todos: a posse excluiu
levanta sebes muros
paredes de pedra maneirinha
o mundo dos recolectores na rota dos frutos
viver silvestre entre penúria e bagas maduras
conchas marinhas
veado cativo na armadilha: essa humanidade
se mistura em restos de folhas
ossos silêncio fragmentos de galeões
e se forma smatéria da aluvião
palavras mortas tojo
raízes
arbustos
caroços de pessegueiro bravo
fogo
o fogo não tem memória.
francisco duarte mangas
Rossas, finais de julho
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A musa de férias,
chá de lúcia lima
domingo, 19 de agosto de 2012
A mulher de Ba
As águas do rio Ba
são flechas disparadas de um arco,
os barcos no rio Ba
parecem voar.
Milhares de quilómetros distante,
centenas de dias ausente
e quantos anos
para o regresso aos meus braços?
Li Bai
Trad. António Graça de Abreu
são flechas disparadas de um arco,
os barcos no rio Ba
parecem voar.
Milhares de quilómetros distante,
centenas de dias ausente
e quantos anos
para o regresso aos meus braços?
Li Bai
Trad. António Graça de Abreu
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