sexta-feira, 26 de março de 2010

Tempo


Hoje encontro a rima

para o tempo

veloz rio de silêncios

de tudo faz seu leito

espraia-se por dentro das árvores

atravessa o teu peito

que idade tem o tempo

o meu tempo, essa seiva de futuro?

terça-feira, 23 de março de 2010

Um lírio de água

Quem me dá
uma rima
para coroar
a primavera
pode ser uma alga
singela ternura
um lírio de água
no tempo da alegria
nervura de mágoa

quem me dá
uma rima
para coroar
a primavera
pode ser uma ave
restos de alecrim
no alto da serra
grito de verdura
a fome mais dura
é ficar a tua espera

segunda-feira, 15 de março de 2010

Devocionário

Abril
mês de um só dia.

Capitão
de tempos a tempos
os sonhadores chamam-se assim.

Chaimite
máquina de guerra
carro de sonhos,
às vezes.

Cravo
desconhece-se outro
instrumento tão aromático.

Grândola
polifónica rebeldia
no tempo do vinil.

Liberdade
nome de avenida.

Utopia
breve brisa de água doce.

Povo
quem mais ordena diziam
os que falavam Utopia.

Maio
as giestas escrevem florida ternura
no teu rosto

terça-feira, 2 de março de 2010

Cão grande e fusco

O gado desapareceu do monte. De noite, doninha de enigmas obscuros, vieram procurá-lo. Traziam varas de marmeleiro, lanternas, um cão grande e fusco. Ninguém avistara o gado. Malvadeza, as vacas tinham chocalho! Um dos homens segurava nas mãos um ouriço-cacheiro. Vale alguma coisa? Não, não presta. Ele pousou-o no chão, quando se previa outro desfecho: esborrachar o bicho contra o muro. Fomos ao posto da guarda, ninguém nos atendeu. Estou a dormir, toquem na campainha. Assim foi: premiram o botão que acorda a autoridade. Que se passa? Não tendes relógio! Os homens contaram a história do gado desaparecido. Sim, malvadeza, senhor guarda. Um momento, disse o agente. Recolheu a cabeça, fechou a janela; desceu as escadas e, de chofre, manda identificar o dono do cão grande e fusco. Multou- o. O bicho andava sem açaime. Os homens trocaram olhares, acenderam cigarros.